1989
O Combate entre D. Carnaval e D. Quaresma
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NOTAS PARA UMA ENCENAÇÃO

“Meio festa popular, meio apocalipse, a luta entre Dom Carnaval e Dona Quaresma transforma-se e vai-se convertendo noutro combate de dimensões mais quotidianas, como se saísse do quadro e nos mostrasse a outra luta, paralela, que se desenrola dentro de nós próprios, entre essas duas forças gigantescas, a apolínea e a dionisíaca, a vital e a do outro mundo, a carne e o espírito, a liberdade e a repressão, a festa e a tristeza, Eros e Tánatos, quer dizer, a cara e o cu da nossa existência.”
(J. L. Alonso de Santos, O Combate entre Dom Carnaval e Dona Quaresma)

Carnaval … Quaresma. .. Mas que Carnaval? Que Quaresma?
Se fizéssemos um percurso pelas raízes históricas e plastificações epocais do Carnaval, veríamos que um dos seus traços identificadores foi a “regra desregrada” de o mundo às avessas. É evidente que tal leit-motiv remete inevitavelmente para a questão do poder, do seu exercício, das suas máscaras e das suas representações.
No quadro medieval e renascentista, o Carnaval, vivido, num específico tempo, como festa, significa o momento privilegiado para a subversão de um poder que tem também o seu momento forte, mais prolongado: a Quaresma. Esse poder, numa época em que a sociedade civil era sobredeterminada pelo plano religioso, identificava-se obviamente com o poder da Igreja. E se espacialmente ele estruturava a geografia do profano através da sua polarização pelo sagrado, temporalmente repercutia-se na organização cíclica da vida quotidiana pelo tempo litúrgico da festividades cristãs. Mas, nem por isso, o homem medieval deixava de sentir permanentemente dentro de si a tensão entre o Carnaval e a Quaresma, organizando-a ou equilibrando-a no(s) tempos(s) e no(s) espaço(s) com que se tecia a sua existência
Mas se Quaresma e Carnaval são as gigantescas forças que se cruzam e entrecruzam no nosso existir, se elas definem o homem enquanto cara e cu (ou cu e cara) da nossa existência, é óbvio que no mundo actual e neste tempo que vivemos & encontram igualmente materializadas com a diferença histórica que caracteriza . sociedade modema. Sociedade secularizada, em que o sagrado se emancipou do profano, em que o Poder já não é, na sua mais elementar acepção, o poder religioso Em que o devir temporal já não é marcado pela circularidade do ano litúrgico.
Assim, ganha sentido perguntar: Que Quaresma? Que Carnaval?
A sociedade actual já não é estruturada, em última análise, pelo poder à Igreja. Todavia, não dispensa a sua nova religião, a tecnociência, e o poder que eL exerce, a tecnocracia. Os tecnocratas, os nossos Yuppies de todos os dias, são d, sacerdotes da Quaresma no mundo contemporâneo: neles se reflecte o sado masoquismo da renúncia, a frieza orgásrnica do número, a neutralização da festa, c cálculo programado do limite. Os tecnocratas modelam-se e modelam-nos na tradiçãl quaresmal de uma religião secularizada. Mas essa modelação, exercendo-se através d; repressão da Criatividade, da imaginação, do excesso, do(s) desejo(s) e da sua inscriçãc no(s) corpo(s) não pode, todavia, abolir a outra dimensão que teima em reprimir. E 1 neste contexto que gera espaços privilegiados e tempos específicos para a sua expan são: nos bares, pubs e discotecas, nos bordéis (mais ou menos finos, com esses 01 outros nomes) acontecem “noites-de-fim-de-semana” em que o nosso Carnaval quo tidiano se expande. Um Carnaval talvez pobre, corno pobre é a religião quaresma . tecnocrática à qual se contrapõe. Mas Carnaval … O nosso Carnaval de todos o dias… O nosso Carnaval de todas as semanas … Saudoso talvez de urna outra face: preisarnente aquela que o liga à imaginação e à criação e de que os artistas serão o símbolo actual, ostentando o estandarte do seu mundo, o mundo do mundo às avessas…
Carnaval… Quaresma… somos nós, dia-a-dia.
Carnaval … Quaresma… estão em nós, em cada dia, mas tão embrulhados nas suas máscaras, que até os seus próprios rostos já se confundem!


João Maria André

Ficha Técnica

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    Texto – José Luis Alonso de Santos

    Adaptação e dramaturgia – João Maria André
    Texto do Entremez – Vasco Pereira da Costa
    Encenação – João Maria André
    Cenografia e figurinos – Carlos Madeira
    Cartaz – Carlos Madeira
    Música – António João Leal Redondo
    Coreografia – Gabriela Figo e João Curto
    Luminotecnia – Jorge Gregório e José Altino
    Sonoplastia – Natércia Coimbra e António João Leal Redondo
    Execução das máscaras – Alexandra Taborda, Nuno Viegas e Rui Rodrigues
    Guarda-Roupa – Manuela Andrade
    Electricidade e Carpintaria de Cena – António Figueiras
    Caracterização – Almerinda Loureiro, Ivone Teles e Lena Figueiras
    Actores:
    * Dom Carnaval – Rui Damasceno
    * Dona Quaresma- Maria José Almeida
    * Coro do Dom Carnaval – António Coelho e Natália Gante
    * Coro da Dona Quaresma – Cristina Figueiredo, Paulo Neto Parra, Maria João Teles e José Luís Gomes
    * Matrona e Apresentadora do Circo- Maria Manuel Almeida
    * Ciganita e Mariana Alcoforado- Lena Faria
    * Barbas e Padeira de Aljubarrota- Fernando Taborda
    * Pregoeiro e El Cid- João Paulo Janicas
    * Bobo e “Coelhinho” – António Garnboa
    * “Macaco” e Jovem Actor – Leopoldina Almeida

    FICHA TÉCNICA DA BANDA SONORA

    Música – António João Leal Redondo
    Arranjos e produção – António João, Amílcar Cardoso, Augusto Mesquita, Celestino Gomes
    Músicos amigos – Armando Monteiro, Cristina Martins, Diniz Tomé, Fernando Ponto, Jorge Merino Júlio Faria, Luís Carlos, Manuel Rocha, Mota Lopes, Neto Parra, Ofélia Libório, Rui Paulo Simões, António Silva Martins José António Figueiredo

    “Sete fadas” de José Afonso

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Ficha Técnica

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