Adriano Correia de Oliveira foi, é, ainda, uma voz singular e reconhecida no panorama geral das músicas do mundo e no contexto da inscrição da música de Coimbra no horizonte dessas músicas, situando-se na linha da frente dos que religaram a canção à literatura e à poesia, e afirmando-se, mais ainda, como uma figura exemplar de uma certa forma de intervir politicamente na história do seu país e na vida dos seus concidadãos. Este espetáculo propõe-se contribuir para esse reconhecimento, o qual tem vindo a ter nas comemorações dos 80 anos do nascimento de Adriano Correia de Oliveira um momento alto e, sobretudo, urgente.
Mas este espetáculo tem também em vista um outro enfoque, ao pretender dar a conhecer a obra e a persona de Adriano junto das gerações mais novas.
Trata-se de mostrar a sua voz, nos píncaros dos maiores cultores da canção de Coimbra, e como essa pulsão cantante soube, não só firmar-se nas raízes da música de tradição coimbrã e alargar-se ao património de origem popular de outras regiões, como lançar-se, na companhia de outros caminhantes, como José Afonso, José Niza, António Portugal, Rui Pato e outros, em trilhos de novas sonoridades e ideias musicais, e ainda trazer para a matéria das baladas e trovas a qualidade literária e rítmica das palavras de poetas, entre muitos mais, como Manuel Alegre e Manuel da Fonseca.
Visa, ainda, salientar que, para além da dádiva da sua voz a estas vozes de resistência e inconformismo, o militante comunista Adriano Correia de Oliveira foi um dos campeões da postura pessoal e cívica daqueles que, “mesmo na noite mais triste, em tempos de servidão”, como nos anos em que as urgências do presente coincidiram com as aspirações de um outro amanhã, foram capazes de se entregar, integral e apaixonadamente, à missão de transformar o mundo. Nesse sentido Adriano foi também, nas sabedoras palavras de Manuel Louzã Henriques, “um assobiador de caminhos”.
A dramaturgia do espetáculo desafia-nos para, acompanhados pelo assobio de Adriano Correia de Oliveira, percorrermos alguns dos caminhos que ele trilhou. Assim, logo depois de um prólogo, o recital abre-nos os caminhos da festa e da alegria. Mas de seguida, com dor e revolta, já somos levados pelos caminhos do trabalho e da emigração e, num terceiro momento, pelos da guerra e da paz. Duramente, mas sempre com esperança, há ainda que pisar os caminhos da resistência e da liberdade, até que, enfim, possamos percorrer os caminhos derradeiros desta viagem, aqueles em que se celebra a amizade e o amor. Pelo meio, também haverá um ou outro intermezzo das canções satíricas de Adriano, de modo a escarnecer dos risíveis poderosos e ganhar o alento que é preciso para continuar.
A proposta deste espetáculo insere-se na linha de trabalho que a Bonifrates mantém desde os anos 90, com Espectáculos como «PREC- Pedaços de um Recital em Volta dos Cravos», «No país dos matraquilhos», «Ary – a vida é o meu lugar» ou, mais recentemente, «Quero ser feliz, porra!», a partir da obra de José Mário Branco, e «Memorial de Hiroshima».
Estas criações têm em comum o juntar em palco a palavra dita, especialmente a poesia, e as canções interpretadas ao vivo. Mas procuram também mediar e ultrapassar as formas e fronteiras comuns destas linguagens e dos seus intérpretes, chamando os atores e músicos a misturar-se na cena e a experimentar novas práticas artísticas.
A música casa-se com as palavras e as palavras também são música. “Assobiando caminhos”, a poesia assinala novas veredas cujo ritmo a música também ajuda a descobrir. No caso concreto deste projeto, a exploração deste envolvimento tem como matéria-prima principal os textos dos poetas cantados por Adriano e traduz-se numa viagem pelos momentos fundamentais da sua obra editada. Nesta linha de trabalho, que procura fundir as linguagens e as formas expressivas da música e do teatro, julgamos também dar um outro enfoque à interpretação da música de tradição coimbrã, contribuindo com esta outra abordagem para a valorização das suas raízes literárias e patrimoniais.
Espectáculos:
9 de outubro 2022, duas sessões, 18.00 e 21.00 horas, Blackbox do Convento de S. Francisco.
Integrado no Festival Correntes de um Só Rio, um recital de poemas e canções de homenagem a Adriano Correia de Oliveira.