A peça de teatro “La Calle del Infierno”, de Antonio Onetti, é uma comédia trágica. Tem aquele tipo de humor amargo em que o riso do espectador é acompanhado de desassossego.
A história começa pouco antes de uma mulher cair da roda gigante da feira de Sevilha. A partir daí, recuamos algumas semanas para conhecer Juani, Paqui e Toñi, três empregadas de supermercado, e a verdade e falsidade das suas vidas e das suas relações…
Neste texto de Onetti, as experiências mais dolorosas passam pelo filtro do humor, sem nunca serem neutralizadas e os artifícios dramatúrgicos puxam-nos da identificação e da complacência, para a consciencialização e a crítica.
“La Calle del Infierno” conta, portanto, a história de três amigas…
Mas o que é isso, a amizade? E ser fiel? E quem se trai numa traição? Ao outro ou a si próprio? E onde está um e o outro na teia das auto-justificações?
Simbolicamente, Juani, Paqui e Toñi trabalham num supermercado.
Ao que parece, é porque se propõem disputar um concurso de dança de sevillanas, premiado com alguns milhares de euros, que a sua “amizade” entra em crise; ou porque umas se encontram secretamente com o marido de outra, para fazerem sexo no armazém…
Mas na verdade, isso são apenas sintomas.
Em “La Calle del Infierno” estão em jogo amizade e traição, fidelidade e verdade… Mas também liberdade, opressão e revolta…
O texto coloca a questão com toda a clareza: “qual é o valor de uma amizade?” Ou, na simplicidade economicista da personagem Juani: “qual é o valor de uma amizade em termos quantitativos?”.
Vivemos o tempo da troca – dizem que tudo se troca…
O tempo da precariedade – apregoam que tudo muda…
O tempo da necessidade – repetem que nada é possível…
No fundo do poço da crise financeira e económica, para que serve a amizade? Perante a necessidade do emprego, do salário, da poupança, da sobrevivência económica, quanto é que ela vale? O que será primeiro sacrificado, um bom amigo ou uma boa posição? A consideração do amigo ou uma quantia considerável? Um momento de amizade ou um ano de hipoteca?
Nos sonhos e nas paixões, nas fraquezas e nas grandezas, nas verdades e nas traições de cada uma das personagens, ressaltam os nossos próprios demónios. Estas mulheres são quaisquer mulheres. Somos nós.
Qualquer um poderá, alguma vez, subir à roda gigante e, arrancando o véu da opressão, gritar a sua revolta.
Faltará perguntar ainda: o que fazer com a revolta?
João Paulo Janicas